Lixão é crime: jovens apresentam aula-espetáculo na Câmara de Vereadores

Texto Líllian Pacheco

Os vereadores de partidos de oposição e de situação de Lençóis assistiram quarta-feira aula-espetáculo dos jovens do Grãos de Luz e Griô e assinaram Abaixo Assinado pela pauta urgente da agenda do Plano Municipal Integrado de Resíduos Sólidos de Lençóis. O espetáculo aconteceu na Câmara de Vereadores e reuniu em torno de 200 pessoas, do Grupo Ambientalista de Lençóis, do Grãos de Luz e Griô, do Colégio CERPV, da Escola Horácio de Matos e da comunidade em geral. Na semana passada, o espetáculo foi apresentado no Centro Cultural Afrânio Peixoto para mais de 100 pessoas com a presença de representantes do INEMA e do Parque Nacional da Chapada Diamantina, responsáveis pela coordenação da criação do Plano Integrado de Gestão dos Resíduos Sólidos dos Municípios da Chapada Diamantina, que também assinaram o Abaixo Assinado. O Espetáculo foi direcionado e escrito pela educadora e escritora Líllian Pacheco; tem a direção audiovisual de Luiz Chaves e Diliana, roteiro do vídeo dos grupo de jovens de audiovisual e participação de todos os jovens Grãos no texto e na produção artística.

” A vida é um bem que o ser humano recebeu e muitas vezes não sabe valorizar!” Felipe, Jovem da oficina de audiovisual do Grãos.

O vídeo do espetáculo, narrado pelo jovem Felipe, segue um roteiro que expressa o sentimento e o conceito dos jovens sobre a vida e a morte, a criação e a destruição. A dualidade entre o bem o mal, a vida e a morte também são expressos no teatro com as figuras de Jesus e Lucifer julgando as pessoas numa fila de julgamento no céu, em que Suassuna, Vinicius, João Ubaldo e Rubem Alves são homenageados, citados e recitados. Advogados, capitalistas, consumistas, racistas, fundamentalistas, dominados e “periguetes” também aparecem na fila com suas posturas diante da vida sendo julgadas.

E surpreendentemente chega à fila uma mulher que se diz Rainha – a Rainha do Lixo, enfrentando Deus, Jesus e Lucifer com a sua loucura. É ela que traz o tema do lixo como força de destruição dos seres humanos, como “prazer de matar, ou mais sinistro ainda, como prazer de transformar o habitat natural em um habitat eletrônico”, citado por Rubem Alves, o que Jesus julga indignado defendendo a grande obra que o seu pai criou. Lucifer acusa que muitos que destroem a obra da natureza criada por Deus ainda se dizem cristãos. Neste momento o espetáculo termina com uma revolta da Rainha do Lixo sobre a lei contra os lixões, os personagens da fila em julgamento se juntam a ela, reivindicando a Jesus que volte para fazer alguma coisa, porque, como diz Lucifer: “Pois é Jesus, não sei como sua humanidadezinha vai sobreviver”. Mas todos se descobrem mortos, sem possibilidade de fazer nada mais, quando a capitalista grita “Lucifer, você já está morto!”. Jesus responde lembrando de um líder cristão libertário que defendeu a natureza e foi assassinado “Pois é Lucifer, nem Chico Mendes sobreviveu”. E Lucifer, sempre maldoso com suas gargalhadas que ora assustam ora motivam risadas no público, fala o texto final do espetáculo, acusando todos nós que sacrificamos a natureza e todas as forças mais iluminadas da vida “Pois é Jesus, nem você sobreviveu”.

As pessoas mais atentas vão entender que os jovens do Grãos, com humor próprio da juventude, na verdade estão defendendo e louvando a força de Jesus Cristo como força de criação da vida, contra as forças de destruição relacionadas ao mundo capitalista, e vão entender sua intimidade com Lucifer como um questionamento à luta e convivência do bem e do mal dentro de nós.

No vídeo, os jovens de audiovisual explicam didaticamente a definição de nossa maior ideologia – o Consumismo. Consumere – gastar ou destruir; ismo – uma forma inovadora; então Consumismo – uma forma inovadora de destruir. Pois é! Entre o bem e o mal, o que vamos fazer com a lei que nos protege e protege a natureza, criminalizando os lixões?

Os jovens finalizam o espetáculo com a música de Luiz Gonzaga sobre Chico Mendes “não posso respirar, não posso mais nadar, a terra está morrendo … cadê a flor que estava aqui, poluição comeu” e com a mobilização de assinaturas para que a agenda do Plano Municipal Integrado de Gestão de Resíduos Sólidos de Lençóis, já aprovado pela Câmara Municipal de Vereadores de Lençóis, seja colocado em pauta pela Prefeitura e pela Câmara urgente, até 30 de setembro. Caso isso não aconteça, a proposta do Abaixo Assinado é uma Ação Civil Pública para fazer valer a lei nacional que criminaliza os lixões!

Depois da aula-espetáculo na Câmara, os jovens dialogam em aula de literatura

Todas as falas deste segundo texto são dos jovens do Grãos de Luz e Griô em roda de conversa na aula de literatura com a educadora Líllian Pacheco. O texto coletivo foi sistematizado pela educadora.

A diversidade de linguagem, a dinâmica, a comédia e a sensibilidade que aprendemos no Grãos e expressamos nos espetáculos tocam no coração das pessoas, trazem reflexão, provocam debates, fazem rir, chorar e se arrepiar. Isso é arte.

Algumas críticas são pesadas e outras sutis. Algumas pessoas acham que estamos caçoando, mas não estamos, estamos questionando. As pessoas que seguem uma doutrina podem não ver a verdade de zelar do que é nosso. Nós provocamos nosso lado cristão quando usamos o mito de cristo, mas usamos este mito porque ele é muito importante para todos nós e estamos provocando reflexão.

No espetáculo, Jesus é muito provocativo e é amigo de Lucifer, tomam vinho juntos, porque o bem e o mal estão juntos dentro de nós. Não foi assim na história mítica entre Deus e Lucifer? Nós é que somos responsáveis pelo apocalipse, estamos destruindo a humanidade e o mundo. A imagem de Jesus voltando num cavalo alado com os anjos não é bem o apocalipse, é um símbolo do apocalipse. As pessoas não entendem os símbolos. Por isso alimentam a intolerância religiosa. Temos que fazer as pessoas pensarem que os africanos precisavam de sua forma de fé e assim criaram. Todos têm um deus, nem que seja o deus da razão para o ateu. O bem e o mal estão sempre simbolizados de algum modo. Lógico que não são os mesmos nomes, cada pessoa tem sua língua e sua história. Uma música do Rapa fala: “o Cristo subiu no alto do morro …se mostra mais uma vez o seu lado herói se transformando em Oxalá, virce versa, tanto faz”.

Mesmo uma pessoa que não acredita em Deus precisa ser ouvida. Muitos pensam que Jesus ainda vai voltar, mas provocamos as pessoas a pensarem que para uma louca que se pensa Rainha do Lixão, que sofreu a vida comendo do lixo da sociedade, ele não voltou. Ela morreu e o tempo dela acabou. E o que nós vamos fazer com isso? Se somos os evoluídos da natureza, a imagem e semelhança de Deus, porque não podemos ouvir a louca falar, porque destruímos tanto a natureza e a obra prima de Deus? É difícil, mas como cristãos ou como cidadãos, temos que ouvir a todos, inclusive aos loucos com as suas heresias. Porque ela é herege e agressiva?

Quando ela provoca que Jesus não voltou, ela provoca a todos nós a pensar que temos que fazer alguma coisa, não podemos simplesmente sentar e esperar Jesus voltar, nem tampouco destruir tanto, ao ponto de ter destruído Chico Mendes e o próprio Jesus Cristo. Na verdade, destruímos a todos que nos provocam pensar e que buscam defender o amor, a vida e a natureza. São metáforas, são símbolos para pensarmos. Viemos do pó e do pó voltaremos é uma metáfora. O que a Biblia diz não são frases para se ler ao pé da letra, são metáforas para se interpretar e se entender o ser humano e a vida. É isso que buscamos fazer com este espetáculo, questionar as dualidades: a vida e a morte, a criação e a destruição, o bem e o mal com os símbolos e metáforas que conhecemos do cristianismo.

Importante que todos os educadores, lideranças culturais e religiosas parem para pensar: porque as pessoas se revoltam ou se irritam ao usarmos símbolos cristãos para um debate tão importante na sociedade? Quem melhor do que Cristo trouxe debates fortes para o mundo? Não é falta de respeito ou brincadeira o que estamos fazendo, é arte, reflexão e transformação. Todos nós temos que refletir sobre a intolerância religiosa e sobre a destruição da natureza como fato religioso. Religião vem de religar, temos que nos unir, todas as religiões, todas as pessoas por um mundo melhor. O meio ambiente é nossa casa, nossa escola, nossa comunidade, nosso País. Temos questões de educação e de saúde mais importantes do que esta para pensar e tomar uma atitude? Não adianta a gente não querer ouvir a louca Rainha do Lixo, despachar o lixo para o lixão ou colocá-lo debaixo do tapete destruindo a escola, a comunidade e a natureza. O lixo e a rainha do lixo simbolizam tudo que tratamos com intolerância e destruição. E que nos retorna com agressividade, heresia, doença e loucura. Temos que tratar o lixo e a louca com atenção, criação, educação, saúde, liberdade de expressão.

Na aula-espetáculo trazemos a questão da natureza para um julgamento no céu também para homenagear a morte de nomes importantes da literatura brasileira: Rubem Alves, João Ubaldo, Suassuna para que seus textos sejam ouvidos mesmo depois de mortos. Eles nos ajudam a trazer reflexões simbólicas importantes para todos: o que você está fazendo para cuidar da grande obra que deus criou? Quem é o bem e quem é o mal nesta luta pela sobrevivência da humanidade? Ficaremos sentados enquanto um lixão destrói tudo?

Não sabemos se todos têm consciência do papel sócio-político em apresentar esta aula-espetáculo na Câmara, mas estamos desenvolvendo nossa consciência crítica e vamos com esta consciência fazer um papel muito bom na sociedade. Todo mundo está acordando para a vida de verdade. Depois da aula-espetáculo, minha mãe se perguntou: “porque a gente compra e consome tanto?”. Essa é a dúvida de muita gente. Porque a gente continua destruindo e porque a gente não desperta? Porque destruímos nossos heróis, a natureza, porque? Se somos tão grandes, porque continuamos a fazer?

Estes textos foram enviados aos educadores das escolas para argumentar diálogos com aproximadamente 100 alunos do Colégio CERPV e da Escola Horácio de Matos que assistiram ao espetáculo.