Hoje acordei cedo e corri para a rua, estava tão feliz de ouvir a Fanfarra tocar que esqueci dos hormônios pós 40 anos, esqueci de comer, esqueci tudo. Na subida da rua do CERPV – Colégio de Lençóis, vinham André puxando as primeiras alas da fanfarra, Netinho puxando a segunda ala, e Eduardo caminhando entre as alas coordenando tudo. Betukka Ribeiro nas fotos. Chorei de emoção.
Tantas emoções misturadas num filme! Vi minha terra natal chapadense, vi minha infância e meus desfiles de 7 de setembro. Vi quando tive que me desterrar e ir para a capital estudar com a promessa de um dia voltar para a Chapada, minha terra, para ser educadora em Lençóis. Vi Lençóis dos anos 90 quando cheguei aqui. Me vi jovem com o Brasil emergindo com ONGs, grupos, conselhos pelo desenvolvimento da democracia e a cidadania. Me vi crescendo democraticamente nas lutas dos movimentos sociais contra o racismo, a homofobia, a intolerância religiosa, a exclusão social, a baixa qualidade da educação pública. E tantos outros movimentos que sobreviveram nas prisões, no exílio e nos confrontos contra a ditadura e que voltaram para me levar para as ruas com os cara pintadas de 1984. Me vi como educadora vendo as gerações de Lençóis crescendo e transformando a história e o Brasil.
Peço a bênção a minha vó Teté, neta de índia caçada no mato aqui da chapada, guerreira que pariu 20 filhos em sua casa com parteiras tradicionais da sua comunidade rural a 90 Km de Lençóis. Quero dizer para ela, o quanto aprendi e aprendo com a sabedoria dela e dos mais velhos da tradição da Chapada. Mas quanto aprendi com a sabedoria dos mais novos e a contemporaneidade de Lençóis. Meninos que vi crescer como Betukka e Netinho que enfrentaram muito preconceito, assumiram sua orientação sexual e se tornaram referência para que a sociedade e as autoridades tenham a oportunidade, num dia cívico como este em que celebramos 191 anos de independência, de serem livres dentro de casa, dentro das escolas, das ONGs, das instituições de poder. Serem a favor do Amor e da Alegria, e contra a Homofobia!
Quase final da história, voltei para casa no carro da polícia com uma breve passada no hospital para ver a pressão. Que vexame! Tive que empatar a Fanfarra num carro da polícia que me levou no hospital e em casa.
Tomei meus hormônios e minha alimentação matutina e desci correndo de novo para assistir as evoluções da Fanfarra. Palmas para todas as alas – as meninas lindas com as sombrinhas e as cores LGBT, as cornetas e a percussão da Fanfarra tocaram e dançaram no meu coração.
Importante escrever a história – a Fanfarra não nasceu agora, a Fanfarra nasceu há muitos anos coordenada por Eduardo. A estética e evolução da Fanfarra nas ruas com a alegria e o amor desta personalidade pública lençoense chamada Netinho transforma, em cada apresentação, o imaginário social homofóbico que existe na história de Lençóis e do Brasil.
Palmas para a Fanfarra, palmas para o Amor e a Alegria, palmas contra a Homofobia !
Líllian Pacheco, educadora, escritora e coordenadora pedagógica de projetos.