Em seu livro As Américas e as Civilizações, Darcy Ribeiro chama o Brasil de Povo Novo. Novo porque inaugura um encontro diferenciado entre etnias e nações, muito distante das ideias de “pureza” de suas matrizes europeias formadoras. Novo porque aproxima todos os continentes do mundo. Novo porque sua diversidade, como universalidade, não apresenta outra saída que não seja o caminho da convivência com o outro. Uma convivência acostumada a dialogar com o Mundo todo. A palavra Griô define a essência deste Povo Novo, que tanto reconhece as suas ancestralidades quanto dialoga com o Outro.

Griô é um nome-síntese de trajetórias agregadoras, múltiplas, híbridas, mestiças e inovadoras do povo brasileiro. Griô não representa uma unidade cultural, ao contrário, expressa a diversidade de um povo que aprendeu a construir sua identidade com o Outro. Griô é um nome que age como uma metáfora de que o “eu” é sempre o resultado do diálogo com o “outro”, ou melhor, o eu é também o outro.

O nome Griô, simboliza uma forte expressão, tanto da valorização dos saberes orais oriundos dos recônditos rurais e das cidades do Brasil, quanto da valorização do encontro entre a brasilidade e o mundo diverso que a compôs. Nesse sentido, a brasilidade do mundo e o mundo da brasilidade são a mesma coisa. Trata-se da fertilização do diálogo, presente na hibridização dos continentes e promovida a partir de uma Epistemologia do Sul. Um Povo Novo que tem por essência, ao mesmo tempo, o universal e as tradições locais.

Griô significa que não vivemos a ideia de uma brasilidade “pura” e “nacionalista”, mas que nossa brasilidade é, em essência, antropofílica. É verdade que no Brasil também reproduzimos ideologias preconceituosas e discriminatórias, mas não nos orgulhamos de construir um mundo a partir delas, ao contrário, nunca estivemos tão alertas para acabar com ideologias deste tipo.

O nome Griô é a própria diversidade que defende, daí a sua importância. É metalinguagem que reúne ética e estética. É reinvenção da vida em sua expressividade Est-ética, reconhecendo que na cultura, na educação e na cidadania, ética e estética não podem atuar separadamente.

O nome Griô tem gravado em sua corporeidade as relações entre África, Europa e Américas e seu fundamento está na transmissão da cultura oral por meio dos grandes mestres contadores de histórias. Histórias do seu povo no interior da rede de histórias dos povos. Nesse universo, não podemos enfatizar uma etnia ou uma cultura específicas, pois as suas singularidades só adquiriram importância na diversidade do diálogo com outras culturas.  Por isso dizemos que a denominação Griô é Glocal (local e global).

Por um lado, a sabedoria do Mestre Griô reconhece que sua existência só foi possível graças aos antepassados que a criaram, por meio de um movimento dinâmico de culturas em frequente formação. Por outro lado, tal sabedoria também expressa uma total entrega ao mundo de sua comunidade. Sua cultura é mais que sua casa, é sua habitação. Uma habitação que foi frequentemente reconstruída pelas narrativas dos Mestres Griôs. Uma habitação feita de lendas, mitos, origens e cosmologias locais, mas também de troca intensa, aprendizado e diálogo com outras histórias. Portanto, a palavra Griô pode ser definida como uma experiência de habitar um mundo que independe de refletirmos logicamente sobre ela mesma. O que torna a experiência com o Mestre Griô um verdadeiro aprendizado, é que sua historicidade revelada nos possibilita a sensação única de estarmos “em casa”, mesmo que no diferente!

O Griô é uma forma de definirmos tudo que nos é familiar, e é por meio das histórias dos mestres que os objetos da cultura adquirem vibração. Tambores, redes, tapetes, vasilhas, muzuás, artesanatos etc., adquirem vibração e vida, graças às histórias (re)contadas pelos Mestres Griôs. Esta cultura que se reproduz sem capitalizar, ou seja, sem intencionar a dominação do tempo, tem seu grande fundamento na intenção de compartilhar vivências. Atua como um saber ainda não sabido pela escola, que re-inaugura a arte de contar histórias como uma arte de moldar percursos e trilhas.

Griô não é periferia é o centro da espiral cultural que compõe o Povo Novo. Griô não é cultura letrada escrita, é cultura oral, erudita e corporal e vem sendo transmitida ao longo de séculos sem apoio do ensino formal ou da mídia em larga escala. Quando conta as suas histórias, o Mestre Griô revela o que há de mais vivo e ancestral no mundo, mas também socializa e atualiza para todos nós as tradições de seu povo. Não é por acaso, que na África os Mestres Griôs eram poupados da participação nas guerras, pois se morressem, não significaria a morte de uma pessoa, mas do fundamento de uma cultura. Não é por nada, que em algumas regiões da África Ocidental, os Mestres Griôs ao morrerem eram “enterrados” no interior das árvores (Baobá por exemplo), para que suas narrativas continuassem a fertilizar a cultura assim como as folhas de uma árvore fazem com o nosso entorno.

O Griô não é simplesmente uma voz elaborando uma performance, mas um saber corporal, visual, sonoro e verbal que espirala a cultura. É a metáfora da abertura  da brasilidade ao mundo e o simbólico da necessidade de inserção das culturas orais na educação.  O nome Griô é definido pela historicidade das trilhas e caminhos, que agem como transveredas culturais e é levado pelo desejo de compartilhar suas narrativas, promovendo o encontro com outras histórias e compondo um verdadeiro conhecimento partilhado. O Griô é Rede, laços que sobrepõem nações, culturas, corporeidades e que tem muito o que colaborar na educação e na cidadania brasileiras.

Assista o vídeo http://www.youtube.com/watch?v=IuYfzkdFRqQ&feature=plcp

Sérgio Bairon é Livre Docente pela Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo, onde exerce atividades docentes e de pesquisa na temática do Audiovisual e da Hipermídia. Possui doutorado pela F.F.L.C.H. da Universidade de São Paulo e pós-doutorado pela PUCSP e pela Freie Universität Berlin. Tem experiência nas áreas de Ciências Humanas e Sociais Aplicadas, com ênfase em Comunicação, Semiótica, História da Cultura, Psicanálise da Cultura, Antropologia Visual e Hipermídia. Publicou os seguintes livros: Antropologia Visual e Hipermedia, Interdisciplinaridade, Psicanálise e História da Cultura, Texturas Sonoras, dentre outros. Também criou e produziu vários filmes e hipermídias.